sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

"Arranca Zé Severo"

Desde os meus tempos de juventude na aldeia, que tinha curiosidade em saber a origem da expressão "Arranca Zé Severo". Passados que foram estes anos todos, chegou ao meu conhecimento a curiosa história que lhe deu origem. Deste modo volto a dar vida ao blogue... o que... já não era sem tempo!!! Pois esta foi assim:
No início da década de 50, todas as aldeias do concelho tinham o seu clube representativo e claro, a minha aldeia, também se fazia representar, pela sigla UFCA, que ainda se mantém na atualidade. Existia uma grande rivalidade entre as diferentes agremiações vizinhas, que era elevada à máxima potência, quando estavam em confronto os clubes das freguesias e o da vila, sede de concelho (Gouveia). Num domingo primaveril, defrontaram-se em Gouveia, a equipa local com a de Arcozelo. No final do jogo, o resultado sorriu aos da casa, em desfavor dos visitantes, facto que não correspondeu minimamente às expetativas, de conseguirem levar para a terra um bom resultado. O desânimo, o descontentamento e também alguma frustração, apoderaram-se dum grupo de apaixonados adeptos, que os levou a provocar alguns desacatos, pelos diversos locais, por onde passavam. Como nesse tempo, o único meio de se deslocarem, era a pé, atravessaram algumas vinhas, onde aproveitaram para manifestar toda a ira, que lhes invadira o corpo!! Arrancaram pela raiz todos os pés de vinha, que surgiram pela frente, sem dó nem piedade. Chegaram mesmo ao ponto de se incentivarem uns aos outros, a cometer tamanha tropelia, ouvindo-se e repercutindo-se uma voz, que ficou célebre: -Arranca Zé Severo.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Hoje, vou falar da mesma personagem do conto anterior, O tio Roberto e também do seu irmão Joaquim. Eram os dois homens de baixa estatura, com cerca de metro e meio. Certo dia, envolveram-se em tamanha disputa verbal, que os levou a chegarem mesmo a vias de facto! Apercebendo-se da gravidade da situação, a sua desolada progenitora, vendo o ponto a que tinha chegado a discussão dos seus descendentes e sentindo-se impotente para travar as agressões que já se verificavam, solicitou a quem passasse, que viessem em seu auxílio. Gritou a plenos pulmões, com a emoção própria de uma mãe em sofrimento e sem a noção do ridículo e risível em que poderia converter-se, esta sua expressão de angústia e amargura:
-Socorro, socorro, acudam aos dois dragões que se matam!!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Volto hoje às histórias de aldeia, para falar duma personagem também ela bastante curiosa: O Tio Roberto. Era um homem solteiro, próximo dos sessenta anos, de baixa estatura, talvez até menos de 1,50m, com o rosto sisudo e um pouco desfigurado, devido ao rebentamento dum foguete durante a juventude. Era detentor duma ingenuidade pueril pouco comum. Certo dia, correu a notícia de que uma jovem tinha dado à luz uma criança, sem que lhe fosse conhecido ou divulgado, qualquer relacionamento sério. Forçosamente, logo foram deitados aos quatro ventos vários nomes de potenciais candidatos à paternidade. Alguém se lembrou, de interpelar o Tio Roberto, questionando-o:
- Ó Tio Roberto, a Maria Cavaca tem lá uma menina e dizem por aí, que é sua!!
O pacato cidadão ao sentir que poderia ver-se envolvido numa situação desagradável como esta e para a qual não tinha contribuído absolutamente nada, tentou logo arranjar o álibi perfeito. Virou-se para quem lhe fez tão intrigante e misteriosa pergunta, e com um ar insuspeito respondeu:
- Ó diacho, mas como pode ser isso, se ainda agora venho do bacelo?!!!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Serra de Montejunto

Hoje, não vou contar nenhuma história de aldeia. Durante a tarde solarenga de sábado passado, passou-me pela cabeça, fazer um treino de preparação, para um dos meus objectivos de vida desportiva: subir a Serra da Estrela em bicicleta. Existindo aqui tão perto, um traçado de média montanha, na Serra de Montejunto, decidi embarcar nesta aventura, que se revelou interessantíssima e muito entusiasmante. Saí de casa às 16:00. Cerca das 17:05 já estava a iniciar a subida. Deixei o carro logo no inicio da airosa localidade de Pragança, concelho do Cadaval, de modo a aproveitar uma rampa bem acentuada, que surge antes da igreja. Saí com um tempo excelente, quase sem vento, com uma temperatura de 21º. A escalada começa a endurecer a sério, junto à Quinta do Castro, um restaurante regional situado nesta aldeia serrana, mas como é ainda no inicio, passa-se bem. Até aos 2km é uma subida dura, mas faz-se. A partir daqui sim, é uma autentica parede. Até se chegar à curva da cruz branca, 3,8km dói mesmo!! Depois são ainda mais 2,2km até ao topo da montanha, mas o grau de dificuldade é menor. De repente, surgiu no último quilómetro uma inesperada ventania, acompanhada por um frio arrepiante que me fez sentir pela primeira vez algum desconforto!! No cimo da montanha, junto às antenas, o vento soprava com uma intensidade elevada, provocando até algum desequilíbrio, quando montado na bicicleta. No regresso ainda se fez sentir o vento, agora de frente, mas tudo voltou a normalidade, ao abeirar-me da encosta sobranceira a Pragança da Serra. O Sol voltou a brilhar, pelas 19:00, cheguei são e salvo!!

sexta-feira, 25 de março de 2011

Sr. Frits 2

O sr. Frits era uma personalidade muito interessante e original. É ele, por isso, o grande protagonista de mais uma história de aldeia. Conforme já foi dito anteriormente a cultura e o desporto eram as suas ocupações. O clube local, estava inserido nos vários escalões jovens dos campeonatos distritais. Quando a agremiação passava por uma fase menos boa, era ele que se disponibilizava gratuitamente, a colaborar com a direcção, manifestando sempre capacidade de ajuda e cooperação. Passou por responsável técnico, desde os juvenis aos seniores. Por volta de finais dos anos 70, ele treinava nessa altura os júniores, e tiveram uma deslocação a Trancoso, onde defrontaram o clube local, do mesmo escalão. A equipa era composta por jovens valores, todos eles da aldeia, e costumavam disputar sempre os primeiros lugares. Nesse dia as coisas não estavam a correr de feição ao grupo e ao intervalo perdiam por 2-0. O meu colega e amigo Manuel Lopes, um dos jovens atletas, por sinal dos mais tecnicistas, era também o capitão de equipa. Durante o descanso, sentiu-se na obrigação de questionar as opções técnico-tácticas do treinador, em virtude de não estarem a dar os resultados desejados. O responsável técnico, Sr Frits, não lhe deu ouvidos e manteve o esquema táctico por si delineado, entrando na 2ª parte, com uma estratégia idêntica à do 1º tempo. Claro que o resultado foi dramático 5-0, faltavam 5 minutos para o final do jogo. O capitão de equipa, o Manuel Lopes, sentindo uma frustração incontrolável, dirigiu-se ao banco, tirou a camisola e a braçadeira e entregou-a ao sr. Frits. O manager, que não esperava esta reacção, chamou-o à atenção, dizendo-lhe que aquilo não se fazia, que o jovem atleta estava a ser mal educado e como ele era estudante, era mal educado ao quadrado.

sábado, 19 de março de 2011

Sr. Frits

O sr. Frits era o intelectual da aldeia. Depois duma longa carreira administrativa, no ministério das finanças, decidiu abandonar a capital, separando-se da família, por se sentir saturado da agitação da grande cidade. A sua formação de base era o curso da antiga escola comercial, tendo-se evidenciado sempre, como um aluno muito estudioso. Preferiu gozar a sua choruda reforma, permanecendo num local calmo, sem stress e com ar puro, onde pudesse cultivar alhos, cebolas e alfaces. Era seu projecto de vida dedicar-se às coisas boas que a terra tinha, mantendo simultâneamente alguma actividade (condicionada pelas limitações físicas, pois coxeava duma perna). Foi treinador do clube local, ficando famosos os aturados treinos que ministrava explicitando o "pontapé de folha seca". Também não havia um 27 de Setembro, em que ele não fosse um dos convidados de honra. Todos queriam ouvi-lo proferir, mais um dos seus elaborados discursos. No dia, a dia, tinha o hábito de interpelar os miúdos que andavam a estudar, sobre variadíssimas matérias, que ele ainda dominava na perfeição. Mas o seu passatempo predilecto era a caça. Vangloriava-se de ser um dos caçadores mais bem sucedidos. Tinha um inseparável companheiro e amigo de caçadas, que era o "Ti João Brando". Davam-se unha com carne até um certo dia. Um coelho meteu-se no meio dos dois e vai de atirarem ao mesmo tempo, no pobre do bicho que, teve morte certa. O que não foi tão certeira foi a decisão, relativamente ao autor do tiro, que primeiro tirou a vida ao láparo. Os dois se acharam com o direito de reclamar o troféu, tendo o "Ti João Brando" levado a melhor. Convencido é que não ficou o protagonista da história, decidindo, logo ali, terminar uma amizade de longa data. A ele ninguém o enganava muito menos um campónio qualquer.... escreveu-lhe uma carta em Latim, afirmando alto e bom som, que o "Ti João Brando" fosse pedir ao padre da freguesia que lha lesse e traduzisse...

sexta-feira, 18 de março de 2011

"Ti Chico Padeira"

Na aldeia a ocupação maioritária da população era o fabrico artesanal de calçado, em oficinas de sapataria, com 5 ou 6 oficiais, 1 ou 2 aprendizes e claro o mestre. Em certas ruas, existiam vários destes espaços, atingindo no final dos anos 60 um total de sete dezenas de estabelecimentos. Uns com maior dimensão que outros, mas todos eles com capacidade de produção suficiente para dar o sustento a um substancial número de famílias. Esta actividade preenchia a maior fatia da população activa da localidade, abrangendo todos os escalões etários, desde os 10 anos até aos sessenta e tais. Nessa altura ninguém usufruía de qualquer aposentação para poder sobreviver. Estes locais eram o ponto de encontro de idosos e outras pessoas, que já não estavam activas profissionalmente. Deste modo passavam o tempo acompanhados por alguém que estaria sempre pronto para os ajudar, mas também para fazer uns gracejo ou dizer umas piadas. Cultivava-se assim uma sã convivência, não querendo com isto dizer que não houvesse alguns momentos de tensão. Eu era miúdo com 6 ou 7 anos e o meu pai também era "mestre" e consequentemente proprietário duma dessas oficinas. Os seus trabalhadores, lembro-me que tinham o hábito de, por eu estar sempre por ali, me incentivarem a fazer algumas tropelias, próprias para a minha idade. Numa oficina mesmo em frente, laborava o "Ti Chico Padeira", que vivia numa localidade vizinha. Deslocava-se diariamente de bicicleta para o trabalho. Como tinha que passar lá o dia, o homem transportava consigo a bucha para consolar o estômago à hora do almoço. Consideravam eles que este facto poderia transformar-se em motivo de chacota e zombaria. Mandaram-me a mim ir questioná-lo, de forma mal-intencionada, se estava a roer a côdea?
Eu, sem perder tempo e sem qualquer delicadeza, fui logo a correr interpelar o dedicado operário:
-Ó "Ti Chico" está a roer a codita, está?
Claro que a resposta veio assaz, precisa e também não menos violenta:
- Estou , estou ó "paneleirito"!!!